Conteúdos dessa natureza são inéditos e de cunho religioso
Seis cartas do século 17 escritas em tupi, trocadas entre indígenas durante a invasão holandesa no Nordeste, foram traduzidas pelo professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Eduardo Navarro. A tradução é inédita: foi o primeiro documento na História redigido em tupi entre indígenas traduzido para a língua portuguesa. A tradução poderá ser publicada no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, no estado do Pará.
Conteúdo das cartas
As cartas do século 17 revelam conversas de cunho religioso entre portugueses e holandeses, homens que lutaram durante uma guerra, na Insurreição Pernambucana. Os indígenas protestantes, por um lado, apoiavam os holandeses que invadiram o Nordeste do Brasil; por outro, estavam os indígenas, em prol dos portugueses.
Em um dos registros, lê-se a seguinte passagem: “Por que faço guerra com gente de nosso sangue, se vocês são os verdadeiros habitantes desta terra? Será que falta compaixão para com nossa gente?”, questiona o líder indígena Felipe Camarão ao cacique Pedro Poti.
A maior parte dos documentos do Brasil Colônia foi redigida por colonizadores do Brasil, sendo esses os únicos registros em tupi escritos pelos indígenas naquela época. O tupi era uma língua apenas oral, e a representação escrita, de autoria dos jesuítas. Por esse motivo, documentos escritos por indígenas não são comuns. Segundo Navarro, a tradução dos seis conteúdos somente foi possível de ser feita com o auxílio de um dicionário tupi, de autoria desse professor, publicado no ano de 2013.
“Essas cartas foram entregues na mão de Teodoro Sampaio, que foi um historiador e um engenheiro, o primeiro que se debruçou sobre esses textos. E ele confessou, em um artigo, que não conseguiu traduzir as cartas, que seguiram sendo um mistério para ele. Depois, o Aryon Rodrigues, linguista indígena da Unicamp muito conhecido, tentou também. Ele foi até a Holanda buscar essas cartas para traduzi-las, mas também não conseguiu”, comenta Navarro.
Contato com as cartas
O professor Navarro entrou em contato com os as cartas do século 17, pela primeira vez, em 1990. Após a publicação do “Dicionário de tupi Antigo: a Língua Indígena Clássica do Brasil”, de sua autoria, Navarro focou sua atenção na tradução das cartas, que estão armazenadas na Biblioteca Real de Haia, na Holanda. “Eu pedi uma cópia para a biblioteca e eles mandaram um grande acervo, com microfilmes, e eu tive que, dentro disso, encontrar as seis cartas”, diz Navarro. Durante a tradução, um dos principais desafios foi decifrar a letra e a ortografia dos textos. O conteúdo das cartas escritas em tupi trouxeram, portanto, informações inéditas a respeito da história do País, que pôde ser descoberta em mais detalhes por Navarro a partir do trabalho de uma tradução técnica.
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